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Trechos, textos e trecos

segunda-feira, abril 21, 2003



Será que li Schopenhauer demais? Esse meu retiro da vida me parece exagerado. Até meu dileto filósofo disse em seu Aforismos para a Sabedoria de Vida que “a ocupação espiritual incessante nos torna mais ou menos inaptos para as agitações e tumultos da vida real. Dessa maneira, é aconselhável suspender inteiramente tal ocupação por algum tempo, quando surgirem circunstâncias que exijam de algum modo uma atividade prática e enérgica.” E viver está me parecendo “uma atividade prática e enérgica”...
Isso me lembrou da utilidade do investimento espiritual para a nossa vida. Porque quando temos um espírito evoluído sabemos lidar melhor com o sofrimento, com todo o fardo existencial que se apresenta. Porque a vida não é exatamente a disneylândia da existência.
Se tivesse dinheiro bancaria uma grande campanha publicitária da filosofia, sem vender nada, além da idéia de se aprimorar o espírito. E isso não é novidade. Epicuro serviu de fonte de ensinamento para um excêntrico milionário contemporâneo dele, que financiou grandes avisos públicos em vários muros da zona de mercado de Atenas, alertando para que o consumo não tornaria a vida de ninguém mais feliz, ou coisa do gênero, inaugurando a mídia dos outdoors – e isso é história que poucos publicitários devem conhecer. Autêntica campanha anticonsumo, acontecimento insólito para os parâmetros da publicidade que temos hoje. Essa história está no livro Consolações da Filosofia, de Alain de Botton, e se der vou trazer até aqui o nome do milionário bem intencionado (emprestei o livro a um amigo).
Acredito na evolução espiritual como verdadeiro acesso à felicidade. O próprio conceito de felicidade já foi mais do que distorcido pelos nossos colegas de espécie. Pascal Bruckner, filósofo sociólogo, tem ótimo livro a esse respeito, Euforia Perpétua, que, entre outras afirmações, traz o alerta de que, hoje, felicidade virou mercadoria na mão do capitalismo. De lá posso tirar uns trechos para ilustrar o que tento dizer (esse livro também emprestei - a uma amiga).
Li em algum lugar, e quem lê muito tem desses lapsos, que Sócrates ao ver várias mercadorias expostas à venda dizia: “quantas coisas de que eu não necessito”, e essa frase me parece um bom exercício a ser praticado diante das vitrines.
O engrandecimento espiritual não deve ser prerrogativa apenas das religiões, e o que se vê é que toda tentativa de monopolizar essa questão acaba em conflitos, quando não em guerras. Quando uma religião se diz a única e a verdadeira, contribui para uma problemática que acaba colocando em questão o próprio valor daquela religião que em nome do bem e da verdade elimina pessoas que não pensavam como ela determina. Claro que nem toda religião é boa, principalmente quando incluímos nessa análise as religiões criadas pelo homem mal intencionado, o que quer apenas tirar dinheiro de seus fiéis etc etc.
A filosofia é um caminho adequado ao crescimento espiritual, e como tal também sofreu perseguições. Sócrates perguntou demais e foi obrigado a tomar cicuta por não querer retirar suas idéias. Sêneca também foi perseguido, condenado à morte e depois de várias tentativas frustradas de cortarem-lhe os pulsos e o afogarem, acabou pedindo que lhe dessem a bebida de Sócrates.
O esclarecimento não interessa aos tiranos. Pensar não é conveniente aos ditadores. E isso não é novidade. Mas se você não pode escolher em que mundo viver, pode escolher como pensar. E nos dias de hoje isso é uma alternativa à qual se socorrer.

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